Em audiência pública convocada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Rogério Schietti, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) apresentou um memorial em apoio à revogação ou alteração da Súmula nº 231 do STJ.
A súmula limita a possibilidade de estabelecimento de pena provisória ou definitiva abaixo do mínimo legal em razão da incidência de circunstâncias atenuantes.
A audiência pública discute a possibilidade de revisão da súmula 231 do STJ, a qual foi firmada pela Terceira Seção, em agosto de 1999, para determinar que "a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal".
O memorial, sustentado oralmente por Ulisses Rabaneda, procurador-geral do Conselho Federal da OAB, aborda a questão da segurança jurídica e critica a limitação imposta pelo enunciado 231/STJ ao direito do acusado de ter sua pena diminuída quando nela incidirem circunstâncias atenuantes previstas em lei.
O argumento central é que não há, no Código Penal ou na Constituição da República, nenhum dispositivo que vede a fixação da pena em patamar inferior ao mínimo legal, e que a limitação imposta pela súmula é baseada apenas na jurisprudência.
O memorial aponta, ainda, que a doutrina e a legislação atual autorizam a redução da pena abaixo do mínimo legal em razão de circunstâncias atenuantes, e que a Súmula 231 do STJ viola o princípio da legalidade estrita e o direito do acusado de ter sua pena diminuída quando nela incidirem circunstâncias atenuantes previstas em lei.
Além disso, o memorial enfatiza a importância da segurança jurídica e da confiança no sistema de Justiça penal, e argumenta que a revogação da súmula não contraria os critérios hermenêuticos decorrentes do princípio da legalidade.
“Antes de tudo, é de se destacar que não há, no Código Penal, ou mesmo na Constituição da República, nenhum dispositivo que vede o estabelecimento da pena provisória (aquela encontrada após a 2ª fase da dosimetria) ou definitiva (aquela encontrada após a 3ª fase da dosimetria) em patamar abaixo do mínimo legal. O enunciado em discussão, portanto, limitou direito expressamente garantido em lei, apoiando-se apenas na jurisprudência”, enfatiza o procurador-geral do Conselho.
Conforme Rabaneda, em relação ao texto legal vigente após a reforma de 1984, são comumente apontados os atuais artigos 596, que trata da fixação da pena-base; 677, que trata do concurso de circunstâncias agravantes e atenuantes, e 688, que trata do cálculo da pena. “Ocorre que nenhum desses artigos dispõe especificamente acerca da impossibilidade de a pena ser estabelecida abaixo da mínima cominada. A rigor, nem a antiga redação do artigo 48 do Código Penal permitiria interpretação consubstanciada no enunciado ora em debate, uma vez que o dispositivo tratava de uma causa especial de diminuição de pena, e a extensão da limitação nele prevista às circunstâncias atenuantes consubstanciaria interpretação analógica desautorizada”, sustenta.
Outro fator que merece ser avaliado, conforme Rabaneda, é o da segurança jurídica, violado com a manutenção do verbete sumular objeto de debate. “Isso porque o legislador, ao prever que determinadas circunstâncias SEMPRE atenuam a pena, passa claro recado ao cidadão imputável de que se ele atender aquelas condições, sua pena restará abrandada. Contudo, na prática, mesmo preenchendo o comando legal e confessando, por exemplo, caso a pena tenha sido fixada na fase do Art. 59 do Código Penal em patamar mínimo, pelo enunciado 231/STJ o réu não terá o prêmio prometido, qual seja, a pena diminuída”, diz.
Ele aponta que em tempos de justiça negocial, esta negativa Estatal em entregar aquilo que se comprometeu legalmente caso as condições estejam presentes, causa desconfiança no sistema de Justiça penal, bem como abalo à segurança jurídica.
Rabaneda refuta dois argumentos contrários à fixação da pena provisória aquém do mínimo legal quando presente atenuantes: “O primeiro deles reclama a observância de uma falsa simetria entre as agravantes e as atenuantes, no que toca aos limites máximo e mínimo estabelecidos em lei. Não há, porém, nenhuma contradição em se aceitar a possibilidade jurídica de diminuição aquém do mínimo legal em razão da incidência de atenuantes e não se admitir o aumento além do máximo legal em razão da incidência de agravantes, “pois os critérios hermenêuticos decorrentes do princípio da legalidade são bastante claros no sentido da exclusiva admissibilidade da interpretação em benefício do réu””.
Já o segundo argumento diz respeito à indesejável indeterminação acerca do quantum de pena a ser diminuído até a fixação da pena provisória, vis-à-vis as causas de diminuição da pena, em relação às quais a lei dispõe mais precisamente acerca da quantidade de pena a ser decotada. “Enquanto a estas se admite a possibilidade de transposição dos limites de pena cominados no tipo, o mesmo não seria admissível em relação às atenuantes, em razão da insegurança em sua quantificação — cogitando-se, de forma crítica, até mesmo aplicação de eventual “pena zero”, em determinados casos. Ora, tal crítica merece igual desprezo, visto que a jurisprudência de há muito consolidou o entendimento, também reconhecido pela doutrina, no sentido de que deve ser adotada como regra a fração de 1/6 para diminuição de atenuantes genéricas, a menos haja fundamentação concreta para sua superação”.
Por fim, o memorial destaca que a revisão do enunciado sumular é compatível com medidas de desencarceramento e a redução do número de presos no país.
“Não se pode desconsiderar fatores de política criminal aptos a autorizar a revisão do enunciado sumular. Não faz qualquer sentido se adotar medidas de desencarceramento (v.g. audiências de custódia, transação penal, suspensão condicional do processo, acordo de não persecução penal, sursis, substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direito, entre outras) e, ao mesmo tempo, vedar a diminuição de pena àquele que comprovadamente possui este direito”.
O Conselho da OAB defende o cancelamento da súmula 231 em respeito aos princípios da legalidade, individualização da pena e igualdade. “Diante do exposto, opina-se pelo cancelamento do Enunciado de Súmula nº 231 do STJ, em respeito aos princípios da legalidade, da proibição da analogia in malam partem, da individualização da pena, da igualdade, entre outros fundamentos expedidos ao norte, que comporão a sustentação desta entidade na audiência pública”.
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